Por Juliana Gola - 13 jan 2021 - 6 min
Cresceu o número de crianças leitoras entre 5 e 10 anos no Brasil, segundo a pesquisa Retratos da Leitura, divulgada no final de 2020. A faixa etária é a única com desempenho melhor em 2019 do que em 2015, quando foi realizado o último levantamento. Entre elas, 48% disseram que leem porque gostam. Mas o que determina o gosto das crianças pelos livros?
Trabalhando em festivais de literatura nos últimos dez anos, sinto a potência que os grandes encontros têm em encurtar a distância entre autor e obra. É como se, ao desmistificar o papel do escritor, assim como fazem as redes sociais – ou deveriam fazer – todos nós, “reles mortais”, pudéssemos nos aproximar do que nos causa admiração. E nos interessar ainda mais pelas histórias que os autores contam. Essa é a principal relação que vejo no caso dos adultos que costumam participar de festivais. Para as crianças, os benefícios são muitos.
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), por exemplo, que ocorre desde 2003 na cidade carioca, a programação infantil tem um valor que vai muito além dos cinco dias de encontros que ocupam o centro histórico de Paraty. Um setor chamado Educativo Flip é responsável por todas as ações infantojuvenis, que contam com a Biblioteca Comunitária Casa Azul, a FlipZona, dedicada aos jovens, e a Flipinha, que é o encontro nos dias da Flip. De sua estreia para cá, mais de 40 mil livros já foram doados para a cidade e 1700 atividades realizadas, como os cursos de formação em mediação de leitura.
A ideia central da programação infantojuvenil da Flip é formar leitores e atrair interesse de crianças e jovens, que durante o ano todo são estimulados a conhecer livros e autores, por ações em parceria com a Secretaria de Educação, que culminam com a Festa. Pensando na magia que os livros trazem, o grande empecilho para atrair público não está no produto (o objeto em si) ou na concorrência com a internet, por exemplo, mas na questão do acesso. Crianças gostam de ouvir histórias e ponto. O papel do adulto é fazer essa ponte sempre.
Gabriela Roza tem hoje 27 anos, é paratiense e viu a Flipinha acontecer desde o primeiro ano, em 2003. Hoje, ela coordena a Biblioteca Comunitária Casa Azul e integra a Rede Mar de Leitores. “Antes, uma grande festa dos livros, depois, um lugar de aprendizado que me trouxe muitos sonhos. Hoje, um olhar para a literatura que liberta, transforma, dá voz e me faz acreditar cada dia mais quão importante é a Flip, o Educativo da Flip e o acesso à literatura”, conta ela.
De criança formada pelas ações culturais, passou também a exercer esse papel em sua comunidade. Essa é a fórmula de sucesso. Aprender e repassar; criar oportunidades; possibilitar a continuidade; formar grupos de apoio e de diálogo para que os projetos sigam com robustez. Num país cujo apoio à cultura e à educação pelo poder público deixa a desejar, uma tarefa aparentemente simples encontra muitos empecilhos. Mas iniciativas continuam surgindo.
Em 2019 participei do primeiro Festival do Livro Infantil Brasileiro, na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo, criado pelo Instituto Cobogó Cultural, dos sócios Paulo Rodrigues e Ricardo Soares, sob a batuta de Aloma Carvalho, da editora Bamboozinho. Com a programação voltada para os autores nacionais, priorizando os paulistas na primeira edição, a ideia era reunir crianças, escritores e professores da rede de ensino pública com propostas de atividades em dois dias de encontros. Para Aloma, “a formação do leitor durante a primeira infância é acima de tudo uma situação de afeto e de troca com quem os guia ou acompanha”. Pedagoga e autora de livros infantis, ela acredita que os festivais também devem ser direcionados aos adultos com dicas de práticas de leitura para bebês e crianças. “Nesse contexto, a leitura será compreendida como uma experiência de construção de sentidos: para o leitor em primeiro lugar, não importa o quão jovem ele ainda é; posteriormente, para o mundo”, afirmou na ocasião.
Pandemia e festivais
Em 2020, o desafio foi ainda maior por conta da pandemia mundial de Covid-19. Como dar continuidade aos festivais sem a possibilidade dos encontros presenciais? De Minas Gerais, com transmissão ininterrupta por cinco dias e uma programação com cerca de cem autores, o Festival Literário de Araxá (Fliaraxá) preparou vídeos e promoveu conversas em tempo real para falar do tema “Língua portuguesa e a integração literária dos países de origem lusófona”, inspirado na frase de José Saramago: “Não há uma língua portuguesa, há línguas em português”. Para as crianças, sob a curadoria do escritor e professor mineiro Leo Cunha, a proposta foi criar apresentações em vídeo de contação de histórias, making of de ilustrações, músicas e encontros lúdicos com autores. Cada um enviou dois vídeos, com 5 a 10 minutos cada, que entraram nas sessões “Vídeos inéditos com autores de literatura infantil”. Claro que o olho no olho e a autenticidade das crianças nos bate-papos presenciais são insubstituíveis, mas, por outro lado, o alcance é bem maior e todo o material fica à disposição para ser visto e revisto sem moderação. Pais e professores ganham em apoio para seu trabalho de introdução a temas que poderiam ficar distantes.
No caso da Flipinha, em 2020 a aproximação se deu com a ideia de incluir perguntas de crianças aos autores das mesas. Funcionou assim: professores da rede pública de ensino de Paraty apresentaram a obra de cada um dos escritores convidados a seus alunos – remotamente –, durante as aulas on-line, e estes foram instigados a gravar sua pergunta e enviar o vídeo ao educativo da Flip. Dessa forma, os encontros ao vivo, transmitidos pelo Youtube, foram guiados pelas crianças, sem roteiro ou mediação. “Livro na mão é solução. Como não podem ir à escola, levamos as histórias até eles, com os livros em si e transmissões de leituras pelo Facebook”, conta Belita Cermelli, diretora de Cultura e Educação da Flip. O resultado, que acompanhei de perto, foram conversas espontâneas, sem aquela capa formal um tanto quanto comum às mesas de literatura direcionadas aos adultos. Era como se sentássemos numa sala familiar e falássemos de coisas familiares. Bola super dentro!
Para 2021, não sabemos ainda se serão telas o tempo todo ou se haverá a possibilidade de novos encontros presenciais nos festivais de literatura infantojuvenis. O que sabemos é que aprendemos mais formas de acesso e contato. Os festivais, assim como canais no YouTube, que se empenham em narrar os mais diversos temas de autores de todos os cantos, são apoios extras e ferramentas positivas de engajamento.